Jovens dormem menos que o recomendado, diz pesquisa
Por marciobasso 23/08/2010 - 11h18
“De ontem para hoje, não dormi”, conta o estudante Filipe de Abreu, de 16 anos. Assim como mais da metade dos adolescentes brasileiros, Filipe dorme menos de oito horas por noite. “Normalmente fico no computador só até meia-noite, mas quando tenho trabalho de escola para entregar, vou até mais tarde”, conta. Na manhã seguinte, o despertador toca implacavelmente às 6 horas. O jeito é levantar.
A situação não é muito melhor entre as crianças de 4 a 12 anos. Segundo dados do Projeto Atenção Brasil, cerca de 30% dormem menos que o recomendado para a idade. A pesquisa, realizada pelo Instituto Glia, ouviu pais de quase 6 mil jovens entre 4 e 19 anos em 17 Estados.
As causas da falta de sono não foram investigadas, mas especialistas ouvidos pelo Estado são unânimes em apontar o mau hábito como culpado. “Não tenho dúvida de que isso é reflexo da permissividade dos pais em relação aos hábitos de sono e ao acesso às mídia eletrônicas”, afirma o neurologista infantil Marco Antonio Arruda, diretor do Instituto Glia.
O estudo também apontou que os jovens que dormem mais de oito horas por noite têm o dobro de chance de ter bom desempenho escolar e bons índices de saúde mental. Arruda explica que o conceito de saúde mental adotado vai além de não ter uma doença. “É um estado de bem-estar, no qual a pessoa está apta a superar as dificuldades da vida, estudar e trabalhar de forma produtiva.”
Pesquisas epidemiológicas em todo o mundo mostram que as crianças estão dormindo menos do que deveriam. O problema piora na adolescência, quando ocorre um atraso natural no relógio biológico. O impacto das alterações hormonais na rotina de sono vai depender do estilo de vida de cada família, diz a neuropediatra Márcia Pradella, do Instituto do Sono da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Para uma criança que ia dormir às 21 horas, é aceitável que passe a dormir às 22 ou 23 horas. Mas se ela estava acostumada a dormir tarde e passa a dormir mais tarde, acordar para ir à escola vira um problema.”
Consequências. A dona de casa Edilma de Abreu, mãe de Filipe, conta que desde de bebê ele “gosta de dormir tarde”.”Sempre falo para ele que isso não é bom para a saúde, mas ele não me ouve”, diz.
Dona Edilma está certa. A falta de sono diminui a imunidade, prejudica a memória, a capacidade de concentração e pode até deixar as crianças agitadas, levando a um quadro que pode ser confundido com Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Quando a privação se torna crônica, podem ocorrer alterações no metabolismo e atraso no crescimento.
É durante a adolescência que o corpo passa pelo maior estirão de crescimento. Essa é, portanto, a fase em que o hormônio do crescimento – liberado durante o sono – se faz mais necessário. “Antes se pensava que dormir oito horas por noite seria suficiente, mas pesquisas recentes mostraram que o tempo ideal para um adolescente é, em média, nove horas e meia”, conta Márcia.
O desejo próprio da idade de protelar o sono é alimentado pelo acesso irrestrito à mídias eletrônicas. Estudo publicado na revista Sleep mostrou que jovens com TV ou computador no quarto vão dormir significativamente mais tarde e apresentam maior índice de fadiga.
“A privação de sono entre os estudantes está se tornando um problema tão sério que algumas escolas americanas, que funcionam em período integral, estudam adotar a sesta após o almoço”, conta a especialista em Medicina do Sono Magda Nunes, da PUC do Rio Grande do Sul.
A estratégia pode ser útil. Tirar uma soneca à tarde – curta, para não atrapalhar o sono noturno – ajuda a tirar o atraso. Esticar na cama nos fins de semana, também. Mas quanto mais tarde o adolescente vai dormir durante a semana, mais difícil repor o déficit. Além disso, a maioria dos jovens hoje têm a rotina tão atribulada que raramente podem se dar ao luxo de tirar um cochilo. Murilo Lopes, de 18 anos, acorda às 5h30 para ir ao cursinho, passa as tardes estudando e, nos dias em que tem aula de inglês à noite, chega em casa às 23 horas: “E no sábado de manhã tenho simulado no cursinho.”
Como a queda nas horas de sono costuma ser acompanhada pela queda no rendimento intelectual, tanta correria pode acabar não compensando, alertam os especialistas.
Fonte: O Estado de S.Paulo