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Igreja Católica faz pressão e barra texto que sugere aborto na Rio +20


Por marciobasso 20/06/2012 - 10h35

O documento final da Rio +20 deixou de fora direitos de sexualidade e reprodução das mulheres consagrados na quarta Conferência Mundial para as Mulheres, realizada em Pequim em 1995. Alguns países, como Estados Unidos e Noruega, protestaram na plenária final a retirada do termo, usado desde aquele ano em textos das Nações Unidas. As modificações foram feitas no parágrafo 16, e se referem à Declaração de Pequim, aprovada na conferência sobre mulheres de 1995, e à Plataforma de Ação, aprovada posteriormente no Cairo. Ambas estabelecem o direito das mulheres sobre sua vida reprodutiva e lhes garantem acesso a métodos de planejamento familiar.
No texto que será encaminhado aos chefes de estado nesta quarta-feira, substituiu-se a promoção de “direitos de sexualidade e reprodução” por “serviços de saúde” da mulher. De acordo com Átila Roque, diretor-executivo da Anistia Internacional do Brasil, a mudança significa, na prática, uma redução dos direitos igualitários da mulher. “É uma questão que abrange a participação das mulheres sobre todas as políticas que têm impacto sobre a vida delas, como garantir sua autonomia sobre decisões que afetam o próprio corpo”, disse Roque, em entrevista ao site de VEJA. “Na prática isso cria uma estrutura para a descriminalização do aborto, mas não necessariamente os países precisam seguir essa via”, diz.
“Os governos não estão sendo consistentes no respeito aos direitos das mulheres, e muitos grupos cederam aos apelos dos representantes do Vaticano, retirando do texto final da Rio+20 artigos que poderiam garantir o direito reprodutivo feminino”, diz Jan Egeland, diretor da executivo da Human Rights Watch.
Oposição – De acordo com diplomatas que participaram das negociações, há dois grandes opositores ao direito sexual e reprodutivo da mulher. O primeiro deles é um grupo de países com forte tradição religiosa, como Malta, Egito, Chile, Polônia, Rússia, Honduras, República Dominicana, Nicarágua, Síria e Costa Rica. “São países de forte tradição religiosa conservadora que se articulam há quase 15 anos”, analisa Roque. A segunda – e poderosa – oposição vem da Santa Sé, grupo de observadores da Vaticano que não tem poder de veto, mas que exerce influência sobre os países católicos mais conservadores. “Durante as sessões de negociação, os observadores da Santa Sé se manifestaram intensamente contra a inclusão dos direitos de sexualidade e reprodução das mulheres no texto final da Rio +20”, diz um dos diplomatas.
A resistência da igreja em apoiar a inclusão do termo que garante os direitos de sexualidade e reprodução das mulheres gira em torno da via que abre caminho para a legalização do aborto. “Não é uma posição que defendemos na Rio+20. Defendemos isso há mais de 2 mil anos. Direito de reprodução não é uma questão de saúde ou de população. Defender isso é defender o assassinato. É o mesmo que defender a solução final de Hitler”, diz um reverendo negociador da Santa Sé.
Roque rebate dizendo que as políticas de inclusão reprodutiva e sexual das mulheres abre um leque de possibilidades que não necessariamente levam à legalização do aborto. “São direitos que forçam o estado a desenhar políticas públicas e crie condições para que as mulheres, que representam metade da população do mundo, vivam melhor e tenham direitos humanos mais igualitários.”
Posição do Brasil – Durante entrevista coletiva, o chanceler Antônio Patriota disse que o Brasil foi contra a remoção do termo. “Estou particularmente frustrado pela exclusão do termo, mas o papel do Brasil como anfitrião é buscar o consenso”, disse. “Há uma profunda divergência entre as nações e não será algo que resolveremos nesse encontro”, disse. O embaixador André Corrêa do Lago, que participou das negociações brasileiras, amenizou. “Perdeu-se o termo, mas reafirmamos um programa que tem como meta os direitos reprodutivos da mulher”, disse. “Foi o caminho possível para chegarmos a um consenso.”
(Com reportagem de Juliana Arini)