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Contra o contraditório – Felipe Lemos analisa a liberdade de imprensa


Por marciobasso 28/09/2010 - 17h44

Atentados contra a liberdade de imprensa e de expressão não são nenhuma novidade no mundo. E a briga entre imprensa e governo também não tem nada de incomum ou extraordinária. Bem, então sobre o que falar neste artigo? Sobre o óbvio? Não exatamente.
Os meios de comunicação, no Brasil ou em qualquer parte deste planeta, não são exemplos de bondade, pureza e de caráter imaculado. Claro. Certamente a pessoa minimamente formada por leitura suficiente densa e capaz de lhe dar outros olhares sabe disso. A questão aqui, no entanto, não é a respeito do perfil dos meios de comunicação ou da imprensa em geral no mundo.

Erros e interesses escusos existem, tanto na imprensa, quanto nas instituições governamentais. Mas nem por esta razão uma sociedade genuinamente dita democrática pode abrir mão da autonomia destes poderes e do livre exercício do mesmo. Imagine a hipótese de destituir a justiça ou o legislativo de um determinado país porque há problemas de conduta internos? A não ser em caso de “infecção generalizada”, esta é uma medida absolutamente extrema e que não cabe pelo simples fato de existir problemas e deslizes entre os que fazem parte destes poderes.
O que se vê, especialmente na América Latina, de uns tempos para cá, é uma intolerância progressiva contra o que os meios de comunicação, a rigor, devem fazer que é fiscalizar os atos públicos. Venezuela é exemplo que nem mais merece comentários, tamanha a campanha oficial para destruir completamente a possibilidade de expressão contrária ao que os governantes decidem dizer e fazer parecer que existe. É a impossibilidade de aceitar o contraditório. Não é simplesmente aborrecer a crítica; é impedir que o contraditório exista e, se existir, que o seja na clandestinidade.
Menos mal que existe a Internet, subterfúgio para alguns que ainda se aventuram a observar onde não se admite observações. Mas até neste meio as interferências deverão crescer.
Na Argentina, uma nova lei de meios de comunicação traz prós e contras. Pró, porque em sua primeira motivação deseja quebrar monopólios de comunicação, mas contra porque, sorrateiramente, enfraquece a liberdade de expressão através de mecanismos de corte financeiros. Também amplia a ingerência do poder público sobre conteúdo. Algo perigoso.
Por fim, o Brasil dá sinais de alguma movimentação neste sentido. O presidente Luis Inácio Lula da Silva recentemente disse que pretende acabar com os meios de comunicação que funcionam como partidos. Sua afirmação deixou mais dúvidas do que certezas no ar. Como não foi adequadamente clara, deixou diversas interrogações nas entrelinhas.
Em primeiro lugar, meios de comunicação não são partidos políticos, embora tenham grande força e influência. Mas o problema é a expressão acabar ou pôr fim. Destruir os meios de comunicação é aniquilar a possibilidade do contraditório, de alternativa ao discurso oficial e que só mostra evidentemente o que se faz de positivo da parte de um governo. Tal como no livro de George Orwel, o clássico 1984, é estar fadado a uma tela de contato com o “Grande Irmão” que dita todas as regras, apaga o passado e só fala do que crê fazer em favor do bem estar da população.
Não creio que a América Latina queira chegar ao patamar de uma Coréia do Norte, onde policiais de trânsito gesticulam e simulam organização no trânsito das desertas ruas da área central, somente para serem vistos por câmeras de controle governamentais.  Não posso imaginar que o ideal de governantes que fazem questão de falar em democracia passe por esta nefasta aspiração.
Na minha visão, colocar em xeque a liberdade de expressão e informação da sociedade por causa de maus exemplos nos meios de comunicação é temerário. O direito de as pessoas saberem do contraditório, do que não é oficial e que vai de encontro a números, conceitos e atos que governantes fazem questão de chamar de verdade, quando não o são, deve ser inegociável. Pisar este direito não pode ser admitido sob hipótese alguma. É contra isso que deveríamos nos insurgir.  
Felipe Lemos