Lifestyle Letters: “Síndrome do Edifício Doente”
Estilo de Vida, Exposição à Luz Solar, ar Puro (Ventilação do Ambiente), Saúde, Doenças e Promoção da Saúde.
Vida e Saúde
Por vidaesaude 10/09/2020 - 13h00
Autores: Leslie Andrews Portes e Natália Cristina de Oliveira
1. Aspectos históricos
A Igreja Adventista do Sétimo Dia é uma Igreja Protestante que tem como única regra de fé e prática a Bíblia, e nela baseia todos os seus ensinos, bem como suas normas de conduta e vida. Os Adventistas do Sétimo Dia tornaram-se mundialmente conhecidos como um dos povos de maior longevidade no mundo a partir de 2003 (Buettner, 2004), e sua vasta literatura científica, sobre Estilo de Vida, Promoção da Saúde, Longevidade, Doenças e Epidemiologia, a tornaram mundialmente respeitada (Fraser, 2003). A personagem de maior destaque da Igreja é, sem dúvida alguma, Ellen Gould White, conhecida por seus escritos teológicos, educacionais e de saúde. Suas mais de 100.000 páginas escritas são consideradas, pela Igreja, como inspiradas por Deus.
No outono de 1848, pela primeira vez, ela chamou a atenção das pessoas sobre os malefícios do tabagismo, chá preto e café (Douglass, sem data). A partir de fevereiro de 1854, Ellen White passou a chamar a atenção para a falta de asseio corporal e a necessidade de controle do apetite. Após 6 de junho de 1863, os ensinos eram mais abrangentes e incluíam alimentos, frequência alimentar, o perigo de alimentos refinados, açucarados e em excesso, alimentos cárneos a serem evitados, a importância da luz solar e do ar puro, principalmente nos quartos de dormir e nas salas de aula, a superioridade do exercício físico ao ar livre, os perigos do trabalho excessivo, entre muitos outros aspectos. Em conjuntos, esses ensinos passaram a fazer parte do que hoje é conhecido como os 8 Princípios de Saúde ou os 8 componentes do Estilo de Vida Adventista do Sétimo Dia: ar puro, uso da água, luz solar, repouso, exercício físico, dieta vegetariana, abstinência de estimulantes e de tudo que faça mal à saúde e confiança em Deus. Esses 8 princípios compõem o acrônimo NEW START (novo começo): Nutrition, Exercise, Water, Sunshine, Temperance, Air, Rest e Trust.
O dia 25 de dezembro de 1865 marca o início da ênfase no ensino sobre a necessidade da Reforma de Saúde, como estabelecida nos anos anteriores, e a preocupação em se criar instituições para o tratamento e promoção da saúde. Em 1866 foi inaugurado o Instituto Ocidental de Reforma da Saúde.
Finalmente, após o dia 10 de dezembro de 1871, a Igreja organizou-se para criar mais instituições de tratamento e promoção da saúde baseada nos ensinos e escritos anteriores, além de instituições de ensino sobre Estilo de Vida e Promoção da Saúde, bem como para preparar pessoas para desempenharem diferentes papeis na Reforma de Saúde.
2. Ar puro e luz solar
Dos 8 Princípios do Estilo de Vida, dois se destacam por serem menos estudados e divulgados: ar puro e luz solar. Vários dos escritos de Ellen White tratam detalhadamente desses princípios. Por exemplo:
No livro Testemunhos para a Igreja, volume 3, de 1872, à página 135, Ellen White escreveu o seguinte: “O sistema de educação mantido por gerações atrás (antes de 1872), tem sido destrutivo para a saúde, e mesmo para a própria vida. Muitas crianças têm passado cinco horas por dia em salas de aula mal ventiladas, sem suficiente espaço para a saudável acomodação dos alunos. O ardessas salas fica em breve envenenado para os pulmões que o inalam”.
À página 78, lê-se: “Aqueles que são fracos e indolentes não devem ceder à sua tendência de estarem inativos, privando-se assim do ar e da luz solar, mas devem praticar exercício ao ar livre, andando ou trabalhando no jardim. Eles se tornarão muitíssimo fatigados, mas isso não os prejudicará. Seu descanso será mais agradável. A inatividade enfraquece os órgãos que não são exercitados”.
o livro Educação, de 1903, às páginas 198 e 199, Ellen White escreveu: “Ao ser estudado o mecanismo do corpo, deve dirigir-se a atenção para a sua maravilhosa adaptação dos meios aos fins, para a ação harmoniosa e dependência dos vários órgãos… Aquele que se senta ou fica em pé, com o corpo direito, está em melhor condição do que outros, para respirar convenientemente. O professor deve impressionar seus alunos com a importância da respiração profunda… Mostre como a salutar ação dos órgãos respiratórios, auxiliando a circulação do sangue, revigoram o organismo todo, estimulam o apetite, promovem a digestão, e levam a conciliar um sono profundo e agradável, desta maneira, não somente refrigerando o corpo, mas também acalmando e tranquilizando o espírito. E, ao ser apresentada a importância da respiração profunda, deve insistir-se na prática. Deem-se exercícios que a promovam e cuide-se de que fique estabelecido o hábito”.
À página 201 lê-se: “Ao estudante de fisiologiadeve ser ensinado que o objeto de seu estudo não é simplesmente obter conhecimento de fatos e princípios. Isto, só, se mostrará de pouco valor. Ele pode compreender a importância da ventilação; seu quarto poderá estar suprido de ar puro; mas, a menos que ele encha devidamente os pulmões, sofrerá os resultados da respiração imperfeita”.
No livro Conselhos aos Professores, Pais e Estudantes, de 1913, à página 81, a autora escreveu: “Na primeira educação das crianças, muitos pais e mestres deixam de compreender que a primeira atenção precisa ser dada à constituição física, para garantir-se saúde física e mental. Tem sido costume animar crianças a frequentar a escola quando simples bebês, necessitadas dos cuidados maternos. Numa idade delicada, são frequentemente metidas em apinhadas salas de aula sem ventilação, onde se sentam em posição errônea em bancos mal-construídos e, em resultado, as tenras estruturas de alguns se têm deformado”.
Finalmente, à página 299, a autora escreveu que: “Deve-se dar atenção especial à ventilaçãoe saneamento. O professor deve pôr em prática na sala de aula seu conhecimento dos princípios de fisiologiae higiene. Pode assim guardar seus alunos de muitos perigos a que estariam expostos pela ignorância ou negligência das leis de saneamento. Muitas vidas têm sido sacrificadas porque os professores não têm prestado atenção a estas coisas. Devem-se evitar as súbitas mudanças de temperatura”.
3. Evidências sobre luz solar e ventilação
No dia 29 de março de 2018, o site do “Blue Zones”, empresa fundada por Dan Buettner, jornalista autor do artigo na National Geographic, divulgou artigo eletrônico com o título “Mais saudável pelo Design: impacto das janelas e da luz solar sobre a saúde, produtividade e o estresse” (https://www.bluezones.com/2018/03/healthier-by-design-impact-of-windows-and-sunlight-on-health-productivity-stress/), de autoria de David Trilling. Esse autor reuniu estudos que mostraram como a luz solar é essencial à saúde, mais que a luz artificial.
1. Trabalhadores em escritórios sem janelas:
- Eram menos felizes.
- Eram menos saudáveis.
- Eram mais estressados.
- Faltavam mais ao trabalho.
- Exibiam maior depressão.
2. Trabalhadores em escritórios com janelas:
- Eram mais satisfeitos.
- Eram mais felizes.
3. Enfermeiras que se expunham mais de 3 horas/dia à luz solar:
- Exibiam menor estresse.
- Eram mais satisfeitas com o trabalho.
- Tinham menor probabilidade de erros médicos.
4. Estudantes que se sentavam próximos às janelas:
- Tinham mais sucesso acadêmico.
- Produziam menor hormônios anti-inflamatórios e antioxidantes.
- Tinham maior capacidade de concentração e cooperação.
- Exibiam maior crescimento anual.
- Progrediam 20% mais rapidamente em matemática ao longo de um ano.
- Progrediam 26% mais rapidamente em leitura ao longo de um ano.
5. Pacientes recuperando-se em quartos expostos à luz solar:
- Recuperavam-se de 16% a 41% mais rapidamente que seus pares em quartos sem a mesma iluminação.
4. Luz artificial versus luz natural
Em 1948, a British Medical Journal (BMJ, 1948), publicou resumo de um debate. A Illuminating Engineering Society propôs que a iluminação artificial seria um substituto adequado da iluminação natural. Um engenheiro de iluminação afirmou, corajosamente, que a luz artificial não seria meramente um substituto da luz do dia, mas uma melhoria em relação a ela. Se o efeito de iluminação do sol pudesse ser considerado isoladamente, além do calor e da potência, a luz fluorescente poderia simular facilmente a luz natural. O engenheiro de iluminação poderia fornecer uma iluminação adequada e uniforme para as 24h do dia, contra uma luz do dia limitada e variável. Outro debatedor destacou que uma vantagem da luz artificial seria que sua cor poderia ser alterada, de modo a estimular ou acalmar, de acordo com a necessidade e a hora do dia, enquanto que com a luz do dia não haveria tal controle”.
5. Síndrome do Edifício Doente
O termo Síndrome do Edifício Doente foi criado para “descrever edifícios nos quais as queixas de problemas de saúde são mais comuns do que se pode razoavelmente esperar. Os edifícios afetados são geralmente escritórios que possuem ar condicionado e nenhuma ou poucas janelas. O excesso de queixas de problemas de saúde geralmente não se reflete em um aumento na ausência ao trabalho por doenças”. Em 1984, Finnegan et al. (1984), estudaram 9 edifícios nos quais trabalhavam, principalmente, pessoas religiosas. Os pesquisadores se utilizaram de um questionário padronizado sobre sintomas nasais (obstrução, prurido ou corrimento nasal), sintomas oculares (coceira, irritação ou lacrimejamento), secura das membranas mucosas (garganta seca ou nariz entupido), sintomas sugestivos de asma relacionada ao trabalho (aperto no peito ou dificuldade em respirar, falta de ar ou respiração ofegante), sintomas sugestivos de febre do umidificador (febre, dores articulares e musculares, cansaço ou dor de cabeça), e sintomas de letargia, hemorragia nasal, pele seca, erupção cutânea, comichão na pele e dor de cabeça. Em cada caso, os sujeitos do estudo foram questionados quando um determinado sintoma começou e se melhorou nos fins de semana ou feriados. A história de tabagismo foi avaliada, como também qualquer história de bronquite crônica, febre do feno ou asma. Cada sintoma foi avaliado como relacionado ao trabalho se ele se desenvolveu após o início do trabalho no edifício em questão ou, se previamente existente, piorou ou ainda, se melhorava nos dias longe do edifício (fins de semana e/ou feriados). A Tabela 1 resume as prevalências de sintomas em relação ao método de ventilação.

VN: ventilação natural. VM: só ventilação mecânica. US: ar umidificado sem recirculação de ar. UC: ar umidificado com recirculação de ar. Mucosa: membranas mucosas. Tórax: aperto no tórax. Sangramento: sangramento do nariz. Erupção: erupção cutânea. Células coloridas e números em negrito indicam diferenças estatisticamente significantes (p < 0,05) em relação à VN (ventilação natural).
Em comparação à ventilação natural, os sintomas nasais, dos olhos, das mucosas, de aperto no tórax, de dores de cabeça, pele seca, coceira e letargia foram significantemente mais frequentes (p < 0,05) nos ambientes ventilados mecanicamente (VM), nos umidificados com e sem recirculação de ar, ou seja, nos ambientes ventilados artificialmente.
6. Considerações finais
Ar puro, ventilação adequada e adequada exposição à luz solar são componentes do Estilo de Vida saudável bem conhecidos e essenciais. Embora esse assunto não seja novo, o artigo de David Trilling (2018) é provocante e merece reflexão, não por conter informações novas, mas por reforçar ensinamentos tão antigos quanto 1872.
A falta de adequada ventilação com ar puro e luz solar resultam em importantes e graves problemas de saúde, físicos, psicológicos, de aprendizagem e econômicos. A luz e a ventilação artificiais não suprem as necessidades humanas.
Referências bibliográficas
Buettner D. Who’s best at living longest: The secrets of longevity. National Geographic, November, 2004.
Fraser GE. Diet, life expectancy, and chronic disease: studies of Seventh-Day Adventists and other vegetarians. Nova York: Oxford University Press, 2003.
Douglass HE. Mensageira do Senhor: o ministério profético de Ellen G. White. Casa Publicadora Brasileira: Tauí, São Paulo.
BMJ – British Medical Journal. Towards the ideal home: daylight versus artificial lighting. Br Med J, 1948; 1(4549): 511.
Finnegan MJ, Pickering CA, Burge PS. The sick building syndrome: prevalence studies. BMJ, 1984; 289:1573-5.