Rede Novo Tempo de Comunicação

Lifestyle Letters: “Número de Componentes do Estilo de Vida Saudável e a Expectativa de Vida”

Impacto dos fatores de Estilo de Vida Saudável sobre as Expectativas de Vida da População Norte-americana

Vida e Saúde


Por vidaesaude 07/10/2020 - 13h00
Faça download deste conteúdo:Baixar

Autores: Leslie Andrews Portes e Natália Cristina de Oliveira

1. Número de Hábitos de Estilo de Vida e Mortalidade

No número anterior (Portes, 2018), procurei mostrar os dados de um antigo estudo mostrando que quanto mais hábitos saudáveis, a partir de um espectro bem conhecido na literatura – tabagismo, peso desejável, bebida alcoólica, 7h a 8h de sono por dia, regularidade das refeições, eliminação e exercícios físicos – menor a mortalidade (Belloc, 1973). Aqui, analisaremos em profundidade o recente estudo de Li et al. (2018).

2. Considerações Iniciais

Em um estudo de âmbito mundial (Wagner et al., 2011), com dados de 70 países, os custos com saúde atingiram 13% a 32% do orçamento doméstico de 4 semanas, 25% dos domicílios pobres em países de baixa renda tinham despesas catastróficas de saúde, e mais de 40% utilizaram suas poupanças, dinheiro emprestado ou venderam ativos para pagarem os cuidados com a saúde. Adicionalmente, 41% a 56% dos familiares nos países de baixa a média renda gastaram 100% dos seus recursos para a saúde com medicamentos. 

No Brasil, os gastos catastróficos com saúde ocorrem em apenas 5,3% dos domicílios, o que foi explicado pelos pesquisadores pela existência dos programas de fornecimento gratuito de medicamentos pelo Sistema único de Saúde nas Unidades Básicas de Saúde e pelo programa Farmácia Popular (Luiza et al., 2016, Oliveira et al., 2016). Embora o acesso gratuito aos medicamentos para o tratamento das doenças crônicas não transmissíveis no Brasil alcance quase metade da população, o que reduz as desigualdades socioeconômicas existentes (Tavares et al., 2016), democratizando o acesso aos serviços e recursos médicos, isso não garante melhora da saúde. Muito maior atenção deveria ser dada a Programas de Promoção da Saúde por meio da prática dos Princípios do Estilo de Vida Saudável, tanto em nível de fomento a pesquisa nessa área, quanto na educação para a saúde da população.

3. Método

Li et al. (2018) utilizaram os dados dos estudos NHS (Nurses’ Health Study) e HPFS (Health Professionals Follow-Up Study) disponíveis nos estudos de Willett et al. (1985), van Dam et al. (2008) e Rimm et al. (1990). Também utilizaram os dados do NHANES (National Health and Nutrition Examination Surveys, 2013/2014) para estimar a distribuição dos fatores relacionados ao Estilo de Vida da população americana (CDC, 2016a). Após isso, os autores utilizaram as taxas de óbitos dos americanos a partir dos dados do CDC WONDER (CDC, 2016b). 

O NHS (Willett et al., 1985, van Dam et al., 2008) começou em 1976 e envolveu 121.700 enfermeiras de 30 a 55 anos de idade. O questionário que foi utilizado continha questões sobre aspectos de saúde, informações médicas e de Estilo de Vida. Em 1980, 92.468 enfermeiras também responderam sobre frequência alimentar. O HPFS (Rimm et al., 1990) iniciou-se em 1986 com 51.529 profissionais em saúde americanos, nas áreas de odontologia, oftalmologia, osteopatia, podologia, farmácia e veterinária, de 40 a 75 anos de idade. O questionário utilizado buscou coletar informações sobre histórico médico, Estilo de Vida e frequência alimentar. Foram excluídos das reanálises os indivíduos que tinham um consumo energético muito baixo ou muito elevado, IMC inferior a 18,5 kg/m2, dados incompletos de IMC, atividade física, consumo de álcool e tabaco, e de dieta.

Foi criado um escore de Estilo de Vida a partir dos 5 hábitos selecionados: ❶dieta, ❷tabagismo, ❸atividade física, ❹consumo de álcool e ❺IMC. Os autores não incluíram fatores de risco clínicos como a hipertensão arterial, hipercolesterolemia ou uso de medicamentos no escore porque o estudo buscava avaliar os fatores modificáveis de Estilo de Vida (Li et al., 2018). O escore de Estilo de Vida de baixo risco foi assim estabelecido:

Dieta considerada saudável.

Tabagismo: nuca ter fumado.

Atividade Física: mais que 30 minutos/dia de atividade física de moderada a vigorosa equivalendo a 3METs por hora.

Álcool: consumo de no máximo 5 a 15 g/dia para as mulheres e de 5 a 30 g/dia para os homens.

IMC: entre 18,5 kg/m2 a 24,9 kg/m2

Cada vez que o critério de baixo risco foi alcançado foi atribuído um escore 1, mas se não foi atingido o escore era 0. Assim sendo, os escores somados poderiam variar de 0 a 5 pontos, sendo o escore 5 o equivalente ao Estilo de Vida mais saudável. Todos as 78.865 mulheres (NHS) e os 44.354 homens (HPFS) incluídos nas análises foram distribuídos em 1 dos 6 grupos possíveis, quanto ao escore de Estilo de Vida: escore 0, 1, 2, 3, 4 e 5. 

4. Resultados

O primeiro resultado que deveria surpreender a qualquer um foi o verificado antes do início do acompanhamento de 33,9 anos para as mulheres (NHS) e de 27,2 anos para os homens (HPFS). A prevalência de mulheres e homens com escore 5 foi de apenas 1,3% e 1,7%, respectivamente. Ainda antes do período de acompanhamento, comparando-se as Mulheres que tinham escore 5 com as que tinham escore 0, verificou-se o seguinte:

  1. 1,5 ano mais jovens.
  2. IMC = 22,1 kg/m2 versus 29,8 kg/m2.
  3. Índice de alimentação saudável 40% superior.
  4. Realizavam 5,4 horas a mais por semana de atividade física.
  5. Consumiam mais álcool por dia (3,9 g/dia).
  6. Não fumavam e nunca haviam fumado.
  7. Usavam menos multivitamínicos.
  8. Usavam mais aspirina.
  9. Tinham menos histórico de diabetes mellitus na família.

Entre os Homens, antes do período de acompanhamento, comparando-se os que tinham escore 5 com os que tinham escore 0, verificou-se o seguinte:

  1. 2,0 anos mais jovens.
  2. IMC = 23,2 kg/m2 versus 28,2 kg/m2.
  3. Índice de alimentação saudável 48% superior.
  4. Realizavam 7,2 horas a mais por semana de atividade física.
  5. Consumiam menos álcool por dia (2,7 g/dia).
  6. Não fumavam e nunca haviam fumado.
  7. Usavam menos multivitamínicos.
  8. Usavam mais aspirina.

Outros dados muito interessantes foram os seguintes:

  1. O ganho em expectativa de vida entre as mulheres que praticavam os 5 hábitos saudáveis foi de 14,0 anos.
  2. Entre os homens, o ganho foi de 12,2 anos.
  3. O risco de óbito por todas as causas foi de 0,26, enquanto por câncer foi de 0,35 e por doenças cardiovasculares foi de 0,18.
  4. Com o aumento do IMC, os riscos de óbito por todas as causas, por câncer e por doenças cardiovasculares aumentaram em 67%, 24% e 158%.
  5. Com o aumento do consumo de fumo, os mesmos riscos aumentaram, respectivamente, em 187%, 197% e 178%.
  6. Em relação ao consumo de álcool, os mesmos riscos aumentaram, respectivamente, em 25%, 21% e 17%.
  7. Com respeito à atividade física, os mesmos riscos diminuíram respectivamente, em 56%, 45% e 61%.
  8. Com respeito ao escore de alimentação saudável, os riscos diminuíram respectivamente, em 27%, 30% e 27%.

5. Considerações Finais

Os autores concluíram que o Estilo de Vida Saudável pode, substancialmente, aumentar a expectativa de vida e reduzir a mortalidade prematura de americanos. Os dados acrescentaram ainda que existe uma clara relação dose-resposta, ou seja, quanto maior o número de hábitos praticados, 1, 2, 3, 4 ou 5, maiores os benefícios. 

Os resultados encontrados se somam aos verificados por Belloc (1973) e não deixam dúvidas de que quanto maior o número de hábitos saudáveis praticados, ou melhor ainda, quanto mais princípios de Estilo de Vida Saudável são praticados, maior a expectativa de vida e menor a mortalidade por doenças crônicas não transmissíveis, principalmente as prematuras. Por isso, é bem apropriado o termo Doenças do Estilo de Vida para doenças como as cardiovasculares e os cânceres. Esses resultados, em conjunto, deveriam motivar pesquisadores e agências de fomento à pesquisa para avanços em programas de intervenção e de educação em Estilo de Vida da população, como a melhor saída para reduzir os gastos com medicamentos e doenças, e promover a saúde.

É compreensível que haja tanta preocupação com a Qualidade de Vida da população, e que enormes investimentos sejam feitos com relação ao acesso a medicamentos e à democratização dos recursos médicos. Contudo, essa não é e nem será a solução para o atual estado de coisas da Saúde Pública ou Coletiva. O aumento do acesso e a democratização dos recursos médicos sem a devida educação da população e o aumento do número de indivíduos responsáveis com sua saúde oneram alguns, sobrecarregam parte da população e têm limitada longevidade. Esse é um aspecto pernicioso da “gratuidade” sem responsabilidade. A definição de saúde oferecida por Bircher (2005) deveria ser mais bem considerada: “Saúde é um estado dinâmico de bem-estar, caracterizado pelos potenciais físico, mental e social, os quais satisfazem as demandas da vida, proporcionais à idade, à cultura e à responsabilidade pessoal”. Embora ela não mencione o aspecto espiritual, parece-me muito melhor que a definição mais popular, além de deixar claro o aspecto “responsabilidade pessoal” com respeito à saúde, ou seja, em que as pessoas substituam hábitos não saudáveis por hábitos saudáveis. 

Se as pessoas esperarem que o Estado lhes dê saúde, descobrirão cedo que isso não é possível. Cada um deve ser o principal ator de sua saúde. O dever do Estado é dar condições, promover e fomentar hábitos saudáveis de Estilo de Vida. Mas o maior responsável pela saúde é a própria pessoa.

Referências bibliográficas

Belloc NB. Relationship of Health Practices and Mortality. Prev Med, 1973;2:67-81.

Bircher J. Towards a Dynamic Definition of Health and Disease. Med Health Care Philo, 2005; 8: 335-41.

CDC – Centers for Disease Control and Prevention. National Health and Nutrition Examination Surveys. http://www.cdc.gov/nchs/nhanes/nhanes_questionnaires.htm. Accessed July 26, 2016a.

CDC – Centers for Disease Control and Prevention. WONDER online database. Underlying cause of death, 1999–2014. http://wonder.cdc.gov/controller/datarequest/D76. Accessed July 26, 2016b.

Li Y, Pan A, Wang DD, Liu X, Dhana K, Franco OH, Kaptose S, Di Angelantonio E, Stampfer M, Willett MC, Hu FB. Impact of Healthy Lifestyle Factors on Life Expectancies in the US Population. Circulation, 2018; 137(20). DOI: 10.1161/CIRCULATIONAHA.117.032047.

Luiza VL, Tavares NU, Oliveira MA, Arrais PS, Ramos LR, Dal Pizzo TS, Mengue SS, Farias MR, Bertoldi AD. Gasto Catastrófico com Medicamentos no Brasil. Rev Saúde Pública, 50(Supl. 2): 15s.

Oliveira MA, Luiza VL, Tavares NU, Mengue SS, Arrais PS, Farias MR, Dal Pizzo TS, Ramos LR, Bertoldi AD. Acesso a medicamentos para doenças crônicas no Brasil: uma abordagem multidimensional. Rev Saúde Pública, 2016; 50(Supl. 2): 6s.

Portes LA. Número de hábitos de Estilo de Vida, Saúde e Mortalidade. Lifestyle Letters, 2018; 1(8): 1-2.

Rimm EB, Stampfer MJ, Colditz GA, Chute CG, Litin LB, Willett WC. Validity of self-reported waist and hip circumferences in men and women. Epidemiology, 1990; 1:466-73.

Tavares NU, Luiza VL, Oliveira MA, Costa KS, Mengue SS, Arrais PS, Ramos LR, Farias MR, Dal Pizzol TS, Bertoldi AD. Acesso gratuito a medicamentos para tratamento de doenças crônicas no Brasil. Rev Saúde Pública, 2016; 50(Supl. 2): 7s.

van Dam RM, Li T, Spiegelman D, Franco OH, Hu FB. Combined impact of lifestyle factors on mortality: prospective cohort study in US women. BMJ, 2008; 337: a1440.

Wagner AK, Graves AJ, Reiss SK, LeCates R, Zhang F, Ross-Degnan D. Access to care and medicines, burden of health care expenditures, and risk protection: Results from the World Health Survey. Health Policy, 2011; 100: 151-8.

Willett WC, Sampson L, Stampfer MJ, Rosner B, Bain C, Witschi J, Hennekens CH, Speizer FE. Reproducibility and validity of a semiquantitative food frequency questionnaire. Am J Epidemiol, 1985; 122:51-65.