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Lifestyle Letters: “Dietas Vegetarianas, Depressão, Ansiedade e Humor”

Dietas Vegetarianas estão Associadas com Estados Saudáveis de Humor: estudo transversal com adventistas do sétimo dia.

Vida e Saúde


Por vidaesaude 12/08/2020 - 10h11
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Autores: Leslie Andrews Portes e Natália Cristina de Oliveira

Em 2010, Bonnie L. Beezhold, Carol S. Johnston e Deanna R. Daigle publicaram interessante estudo intitulado “Dietas Vegetarianas estão Associadas a Estados Saudáveis de humor” e, para tanto, utilizaram Adventistas do Sétimo Dia, voluntários, das comunidades das áreas metropolitanas da Califórnia: Phoenix, Arizona e Santa Barbara. O estudo foi do tipo transversal e foi publicado na Nutrition Journal. Neste número da Lifestyle Letters, trazemos uma resenha do artigo.

1. Ácidos Graxos e a Saúde Cerebral

Em sua revisão, Haag (2003) procurou mostrar a relação entre vários ácidos graxos e a função cerebral, destacando, especialmente, o potencial para a origem das doenças psiquiátricas. A autora inicia sua revisão mostrando a importância dos ácidos graxos e o sistema nervoso.

O peso seco do cérebro adulto normal é composto de 50% a 60% de lipídios, dos quais 35% são de poli-insaturados. A maior concentração desses ácidos graxos é de ácido araquidônico, pertencente à família de ácidos graxos ômega-6 (ω-6 ou n-6) e de ácido graxo docosaexaenoico, pertencente à família de ácidos graxos ômega-3 (ω-3 ou n-3).

O ácido graxo linoleico é da família de ômega-6, como o ácido araquidônico. Já os ácidos graxos α-linolênico, eicosapentaenoico e docosaexaenoico são da família os ômega-3. Esse último, ácido docosaexaenoico, é especialmente importante na fase pré-natal do desenvolvimento do cérebro, e está envolvido na transmissão sináptica entre os neurônios. A deficiência de ácido docosaexaenoico está relacionada ao atraso da acuidade visual, prejuízos cognitivos, disfunção do cerebelo e várias outras desordens neurológicas (Haag, 2003). A Figura 1 ilustra as famílias ômega-6 e ômega-3, especialmente destacando a sequência de eventos a partir dos ácidos graxos Linoleico (ω-6) e α-Linolênico (ω-3), que são essenciais, os quais dão origem, respectivamente aos ácidos graxos araquidônico (ω-6) e ácidos eicosapentaenoico e docosaexaenoico (ω-3).

O ω-3 parece mais relacionado a benefícios de saúde que o ω-6. O aumento da taxa de ω-3 para ω-6 (razão (ω-3/ω-6) associa-se ao aumento dos receptores de Dopamina como também ao aumento dos níveis de Dopamina no córtex cerebral. A baixa taxa de ω-3/ω-6 associou-se ao aumento dos níveis de citocinas pró-inflamatórias interferon-gama, TNF-α, IL-5 e IL-6. O ω-3 também está relacionado a adequada estrutura das membranas celulares, ao adequado desenvolvimento pré-natal, da retina, do tecido cerebral, das sinapses, redução dos níveis de lipídios, lipoproteínas, da pressão sanguínea, aumento da variabilidade cardíaca, que protege o coração contra eventos cardíacos súbitos, melhora a glicemia sanguínea, entre outros benefícios (Haag, 2003, Vaz et al., 2014).

2. Desenho do Estudo

Beezhold et al. (2010) convidaram Adventistas do Sétimo Dia (ASD) das comunidades de Phoenix, Arizona e Santa Barbara, nas áreas metropolitanas da Califórnia, pois os ASD pertencem a um grupo relativamente homogêneo em relação ao Estilo de Vida, e com padrões alimentares distintos: cerca de 33% dos ASD nos EUA não consomem carnes vermelhas, de aves ou peixes (Fraser, 1999).

Não participaram do estudo grávidas ou lactantes, pessoas com diagnóstico de doenças crônicas que afetassem o estado mental, usuários regulares de medicamentos ou suplementos conhecidos por afetar o humor. Foram constituídos dois grupos de estudo: vegetarianos (VEG, n = 64) e não-vegetarianos (NVEG, n = 79). VEG e NVEG responderam a ❶um histórico de saúde geral e dados sociodemográficos, a ❷um questionário de frequência alimentar, e a dois testes psicométricos: ❸DASS: Escala de Depressão, Ansiedade e Estresse, e ❹POMS: Perfil de Estados de Humor. As informações sociodemográficas incluíram nível educacional completo, ingestão de medicamentos e suplementos, e atividade física de lazer, pois o nível de atividade física pode modular o humor. A ❺escolaridade foi categorizada em dois níveis: ensino médio completo ou superior completo. A ❻atividade física foi categorizada em três níveis de intensidade e a frequência semanal. Os níveis de intensidade estabelecidos foram: leve, moderada e intensa. A intensidade leve foi multiplicada por 3 METs, a moderada por 5 METs e a intensa por 9 METs, sendo que 1 MET corresponde a um equivalente metabólico que é o dispêndio energético que o organismo mantém em repouso. Portanto, 3 METs corresponde ao dispêndio energético 3 vezes superior ao repouso. A frequência semanal das atividades físicas foi multiplicada pelos equivalentes metabólicos para se estimar o dispêndio energético semanal.

O questionário de frequência alimentar foi composto por 152 itens quantitativos, previamente validado para se estimar o consumo do ácido graxo ômega-3 (ω-3 ou n-3) em pacientes cardíacos. Ao questionário, os autores adicionaram outros alimentos regularmente consumidos por vegetarianos, e estimaram o consumo outros ácidos graxos usando o banco de dados do Departamento de Agricultura dos EUA. Cada participante indicou a frequência e o tamanho da porção dos alimentos. As opções para as porções foram: pequena (0,5), média ou padrão (1,0) e grande (1,5). As opções de frequência foram: uma vez por mês (1,0), menos de uma vez por semana (3,0), uma a duas vezes por semana (6,0), três a quatro vezes por semana (14,0), cinco a seis vezes por semana (22,0), diariamente (30,0) e mais de uma vez ao dia (60,0). Os números relativos ao tamanho da porção e à frequência de consumo foram utilizados para os cálculos.

A DASS objetiva avaliar três estados afetivos negativos: depressão (disforia, desesperança, desvalorização da vida, autodepreciação, falta de interesse, anedonia e inércia), ansiedade (excitação autonômica, alterações na musculatura esquelética, situação de ansiedade, situação subjetiva de afeto ansioso) e estresse (dificuldade de relaxar, excitação nervosa, sendo facilmente agitado, irritável, exagerado e impaciente). A DASS contém 42 itens, sendo 14 sentenças para cada uma das três áreas, em escala de quatro pontos.

O POMS estima a intensidade dos distúrbios de humor na semana passada, incluindo o presente dia de avaliação. Consiste em 65 adjetivos em uma escala tipo Likert de 5 pontos, variando de “nada” a “extremamente”. Os seis domínios avaliados são: tensão-ansiedade (T), depressão-abatimento (D), raiva-hostilidade (A), vigor-atividade (V), fadiga-inércia (F) e confusão-perplexidade (C). O escore total do POMS é calculado somando-se T + D + A + F + C, subtraindo-se o V. Quanto maior o escore POMS, maior o grau de distúrbio do humor.

Visto que em vegetarianos a prevalência de anemia devido ao baixo consumo de vitamina B12 é elevado, avaliou-se o hematócrito deles também.

3. Achados do Estudo

Beezhold et al. (2010) tiveram que excluir 5 voluntários, 4 do VEG e 1 do NVEG por uso de antidepressivos e por escores POMS extremamente elevados. Dos 4 VEG excluídos, 3 foram por valores extremamente elevados de consumo de poli-insaturados.

VEG diferiram significantemente de NVEG por serem 4,1 anos mais velhos (45,1 ± 1,4 anos versus 41,0 ± 1,4 anos, respectivamente), exibirem 10% menor IMC (25,1 ± 0,7 kg/m2 versus 27,8 ± 0,9 kg/m2) e por realizarem 45% mais atividade física. Os grupos não diferiram quanto à escolaridade. A Tabela 1, a seguir, resume os achados relativos ao consumo de ácidos graxos.

Tabela 1: Diferença percentual de consumo de ácidos graxos dos VEG em relação aos NVEG.

Os VEG exibiam significantemente maiores taxas de ácidos graxos α-linolênico, ω-3 total, linoleico, ω-6 total, poli-insaturados, monoinsaturados e ácidos graxos totais que os NEVG. Por outro lado, os NVEG exibiam significantemente maiores valores de ácidos graxos eicosapentaenoico, docosaexaenoico e araquidônico.

A Tabela 2 resume os achados a respeito dos escores relacionados à depressão, ansiedade, humor e do perfil de humor.

Tabela 2: Diferença percentual na DASS e no POMS dos VEG em relação aos NVEG.

Os VEG exibiram significantemente melhores resultados em todos os aspectos avaliados que os NVEG.

A Figura 2, abaixo, ilustra as diferenças entre NVEG (primeiras colunas) e VEG (segundas colunas) na DASS e no POMS de mulheres (females) e homens (males). As mulheres e os homens VEG exibiram significantemente melhores resultados na DASS e no POMS que os NVEG, exceto com relação ao POMS dos homens, que não diferiram significantemente entre VEG e NVEG.

4. Interpretando os Resultados

As menores taxas de ácidos graxos eicosapentaenoico, docosaexaenoico e araquidônico observadas nos VEG do estudo de Beezhold e colaboradores (2010) poderiam resultar em prejuízos de saúde. Esses prejuízos poderiam incluir depressão, ansiedade e mau humor, mas os resultados foram no sentido oposto. Apesar das baixas taxas desses ácidos graxos nos VEG, os escores deles na DASS e no POMS indicaram que os VEG exibiram menores resultados de depressão, ansiedade, estresse, tensão-ansiedade, depressão-abatimento, raiva-hostilidade e fadiga-inércia.

Esses resultados são curiosos, pois era de se esperar que baixas taxas de ácidos eicosapentaenoico, docosaexaenoico e araquidônico resultassem em prejuízos. É possível que outros aspectos do Estilo de Vida desses voluntários, associados à alimentação vegetariana, foco do estudo de Beezhold e colaboradores (2010), estejam operando e conferindo aos sujeitos menores escores de depressão, ansiedade, estresse, tensão-ansiedade, depressão-abatimento, raiva-hostilidade e fadiga-inércia.

Por isso os autores concluíram que “não foram encontradas evidências de que a baixa ingestão desses ácidos graxos essenciais por parte dos VEG, afete negativamente o estado de humor deles”. Além disso, “o perfil dietético dos VEG, com elevada ingestão de gorduras poli-insaturadas e muito pouco ácido araquidônico, pode ajudar a explicar o perfil de humor favorável entre eles (Beezhold et al., 2010).

Referências bibliográficas

Beezhold BL, Johnston CS, Daigle DR. Vegetarian diets are associated with healthy mood states: a cross-sectional study in Seventh-Day Adventist adults. Nutrition J, 2010;9:26-32.

Fraser GE: Diet as primordial prevention in Seventh-Day Adventists. Prev Med, 1999; 29: 518-23.

Haag M. Essential fatty acids and the brain. Can J Psychiatry, 2003; 48: 195-203.

Vaz DS, Guerra FM, Gomes CF, Simão NA, Martins Júnior J. A importância do ômega 3 para a saúde humana – um estudo de revisão. Uningá Review, 2014; 20(2): 48-54.